Vão
Ela sempre se preocupava. Ali, no vão entre o trem e a plataforma, cercada de pernas para todos os lados como se fossem árvores de gente, ficava ensaiando o pulo, como sempre fazia ao pegar o trem.
Achava uma aventura e tanto. Sempre ficava fascinada quando aquela minhoca de aço rasgava as carnes da cidade. O barulho do vento e do trilho soava como um coral desafinado aos seus ouvidos. Como se o percurso inteiro, feito no escuro entre estações, fosse acompanhado de vozes de um outro universo. Não tinha certeza se isso era uma coisa boa ou ruim. No momento, se preocupava em pular de um lado para o outro, de uma incerteza para outra. O vão.
E se caísse? Se, por um acaso, não tivesse impulso suficiente para alcançar terra firme e afundasse no vazio? O que existia no vazio? Quais bichos moravam, corriam e se alimentavam no nada?
Apostava que eram os mesmos que perambulavam além do horizonte, pelas estradas que passavam por lugares que não conhecia, mas nem por isso deixavam de existir. O fim de seu mundo.
Tinha medo de incertezas. De saber por que as pessoas, de repente, trocavam de cabelo. Até se animava pela troca de cores dos castanhos, loiros e ruivos, mas ficava receosa com aqueles que escolhiam o prateado. Uma mudança que era seguida por uma papada de peru no pescoço, por um excesso de pele, por uma variação na voz.
Então os adultos mudavam de aparência e desapareciam. Ninguém sabia explicar, ou melhor, se sabiam ninguém explicava. E isso também era assustador. Onde eles iam viver? Depois da última rua do mundo? Metros e metros abaixo da minhoca de aço? Nos céus de algodão? Quer dizer que os adultos eram os bichos dos lugares escuros?
Negava essa verdade. Não queria crescer, não queria nunca ser uma adulta. Um sinal sonoro foi recebido de sobressalto. A porta automática abriu e ela deu um impulso muito grande, muito maior do que suas perninhas. Fechou os olhos e, do outro lado, encontrou terra firme. Olhou para a árvore ao lado, que segurava a sua mão, e sorriu.
Ainda tinha tempo antes de cair no vão entre o trem e a plataforma.



Muito lindo! Amei.